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Declarada ilegal tarifa de quitação antecipada cobrada pelo Itaú
   
     
 


09/04/2009

Declarada ilegal tarifa de quitação antecipada cobrada pelo Itaú
Juiz Giovanni Conti, da 15ª Vara Cível de Porto Alegre, decretou a ilegalidade

O Juiz de Direito Giovanni Conti, da 15ª Vara Cível de Porto Alegre, decretou hoje (8/4) a ilegalidade da cobrança de tarifa pelo Banco Itaú S.A. ao cliente que quiser liquidar antecipadamente, total ou parcialmente, o saldo existente em contratos que envolvam concessão de crédito ou financiamento.

O Itaú foi condenado não inserir cláusulas que exijam o pagamento das tarifas em novos contratos. Também deverá restituir em dobro as importâncias já cobradas de consumidores, acrescidas de perdas e danos, correção monetária pelo IGP-M e juros legais, tudo a ser apurado em liquidação de sentença e executado pelas vítimas ou sucessores.

O magistrado condenou o Banco a indenizar os consumidores lesados por danos materiais e morais. Em relação aos danos considerados difusos, o valor da indenização deverá ser recolhido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.

A ação coletiva foi movida pelo Ministério Público contra Banco Itaú S/A, a partir de reclamações de clientes do réu. O valor da “tarifa de quitação antecipada” prevista é de 7%, sendo o mínimo de R$ 250,00.

Para o Juiz Giovanni Conti, a Resolução nº 3.401/2006 do Banco Central do Brasil-BACEN, atendendo determinação do Conselho Monetário Nacional-CMN, que permite a cobrança de “tarifa de quitação antecipada” está em flagrante conflito com os arts. 4º, incisos I e II; 39, inciso V; 51, inciso IV, § 1º, incisos I, II e III; e 52, § 2º, todos do CDC.

 “Interessante é que no Brasil o bom cliente é penalizado com uma tarifa inapropriada e abusiva, quando na verdade deveria ser prestigiado com descontos e vantagens nos serviços e produtos. O consumidor paga para entrar (pedido de crédito) e paga (tarifado) também para sair, mesmo estando em dia com suas obrigações e desejar liquidá-las antecipadamente”, afirmou.

“Analisando os termos da Resolução nº 3.401/2006, que NÃO É LEI, mas mera norma administrativa, verifico que a cobrança além de ilegal é totalmente indevida”, concluiu.

O Banco deverá publicar no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da sentença (quando não houver mais possibilidade de interposição de recursos), em dois jornais de grande circulação no Estado, a parte dispositiva da sentença. Em caso de descumprimento da decisão pagará multa.

Proc. 10703065940

Confira abaixo a íntegra da decisão.

Comarca de Porto Alegre - 15ª Vara Cível - 2º JUIZADO

Nº de Ordem:

 

Processo nº:

001/1.07.0306594-0

Natureza:

Ação Coletiva

Autor:

Ministério Público

Réu:

Banco Itaú S/A

Juiz Prolator:

Giovanni Conti

Data:

08/04/2009

Vistos os autos.

MINISTÉRIO PÚBLICO promoveu a presente Ação Coletiva contra BANCO ITAÚ S/A, alegando em síntese que, por meio do CIDECON, instaurou inquérito civil, em relação à cobrança de tarifa em liquidação antecipada de dívidas parceladas pelos clientes do réu. Sustentou que o valor da “tarifa de quitação antecipada” é de 7% incidente sobre o valor das prestações vincendas, abatidos os juros futuros. Relatou que o valor mínimo cobrado a este título é de R$ 250,00. Argumentou que a referida cobrança é ilegal e abusiva. Em sede de antecipação de tutela, requereu a abstenção, pelo demandado, de cobrança da tarifa, sob pena de multa. Postulou a declaração de nulidade de toda a cláusula que preveja a incidência desta tarifa; a condenação a não inserir cláusulas que prevejam a incidência da referida tarifa, sob pena de multa; a condenação da restituição em dobro pelas vítimas; a condenação ao pagamento de indenização, cujo valor reverterá ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados e a publicação da decisão em jornal para conhecimento dos consumidores lesados.

Deferida a antecipação de tutela, determinando que o réu se abstenha de cobrar a tarifa de quitação antecipada, sob pena de multa (fl. 34).

Citado, o requerido contestou o feito arguindo, preliminarmente, a perda do objeto dos pedidos após a Resolução CMN 3.516/2007 que veda a cobrança da tarifa. Assim, após 10/12/2007, não há contratos com previsão desta tarifa. Relativamente aos contratos anteriores à Resolução, havia autorização pelos órgãos federais de cobrar a tarifa. Alegou que a União e o BACEN deveriam estar no pólo passivo e, assim, a competência seria da Justiça Federal. Arguiu a inépcia da inicial, incompetência absoluta da justiça estadual, a impossibilidade jurídica do pedido, inadequação da via eleita e ilegitimidade ativa do Ministério Público. No mérito, sustentou que até a elaboração da Resolução que vedou a cobrança da tarifa, não houve irresignação pelos órgãos fiscalizadores, pois permitiam sua aplicação.

Irresignado, o réu agravou de instrumento da decisão que deferiu a medida liminar (fls. 106/142). O Tribunal de Justiça determinou a conversão do recurso em agravo retido (fl. 166).

Réplica às fls. 148/161.

Intimadas as partes acerca das provas que pretendem produzir (fl. 162), o autor e o réu, respectivamente, postularam o julgamento do feito (fl. 163 e 165).

É o relatório.

Decido.

O presente feito percorreu todos os trâmites legais, estando presentes os pressupostos e as condições da ação, inexistindo nulidades a serem sanadas.

DAS PRELIMINARES

a) Perda do objeto:

Evidente que não há perda de objeto da ação, pois consoante se observa dos pedidos deduzidos na exordial, o autor postula a repetição, inclusive em dobro, dos valores cobrados pelo requerido à título de “tarifa de quitação antecipada”.

Poderia ser examinada a possibilidade de ocorrência da perda parcial do objeto da ação, relativamente aos pedidos de mérito “c” e “d”, da exordial, caso houvesse o comprometimento da requerida em cumprir a Resolução nº 3.516/2007, e suas exceções (contratos pretéritos e abrangência para todas pessoas jurídicas), cujas considerações serão exaradas quando do exame do mérito.

Portanto, rejeito a preliminar.

b) Incompetência absoluta:

Postula o requerido a inclusão no polo passivo das demanda a União Federal e BACEN, deslocando-se a competência para Justiça Federal.

O pedido de litisconsórcio passivo necessário é de ser indeferido de plano, eis que não estão presentes os requisitos do art. 47, do CPC.

Saliente-se, ainda, que o Banco Central do Brasil e/ou União Federal não respondem pelos pedidos deduzidos na presente demanda, já que a “tarifa de quitação antecipada” ora atacada, além de cobrança opcional pelas instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, é recolhida aos cofres do requerido.

Portanto, rejeito a preliminar.

c) Inépcia da inicial:

A petição inicial não é inepta, nem genérica. É clara, objetiva e preenche todos os requisitos do art. 282 do CPC. A causa de pedir é explícita (abusividade da tarifa de quitação antecipada), cujos pedidos são lógicos e consequentes daquela argumentação.

Portanto, rejeito a preliminar.

d) Impossibilidade jurídica do pedido:

Os argumentos apresentados na contestação à título de preliminar de impossibilidade jurídica do pedido se confundem com o próprio mérito da demanda, com os quais serão oportunamente examinados.

e) Impossibilidade jurídica do item IV-g da inicial:

O pedido de publicação sobre o resultado da presente demanda, na hipótese de condenação, tem por objeto levar ao conhecimento dos consumidores sobre a possibilidade de habilitação para fins de cumprimento da sentença (execução), quando há interesse individual violado, sendo juridicamente possível tal pedido, aliás, complementar à publicação prevista pelo art. 94 do CDC.

Portanto, rejeito a preliminar.

f) Inadequação da via eleita (falta de interesse):

Evidente o interesse de agir do autor, em especial na defesa dos direitos do consumidor na modalidade coletiva, sendo via adequada para proteção dos direitos individuais homogêneos.

O autor não está a questionar a inconstitucionalidade de normas administrativas emanadas pelo BACEN, atendendo determinação do Conselho Monetário Nacional-CMN, mas sustentando a abusividade delas sob a perspectiva do direito do consumidor (arts. 39, inciso V; 51, inciso IV e §1º, incisos I, II e III; e 52, § 2º, todos do CDC).

Somente poderia se supor a eventual arguição de inconstitucionalidade, exigindo do julgador o exercício do controle difuso, caso houvesse na petição inicial confrontação daquelas normas administrativas com algum artigo da Constituição Federal (p.ex. art. 5º, inciso XXXII).

Entretanto, não é o caso dos autos.

Portanto, rejeito a preliminar.

g) Inadequação da via eleita (inexistência de direitos individuais homogêneos):

A alegação de inadequação da via eleita pela inexistência de direitos individuais homogêneos não merce qualquer consideração. A pretensão poderia, inclusive, ser mais abrangente, relativamente aquela debatida nos presentes autos (tarifa para quitação antecipada).

Saliento que é perfeitamente possível a via da ação coletiva de consumo (ou civil pública) para proteção dos interesses difusos (possíveis clientes), coletivos (todos atuais e ex-clientes) e individuais homogêneos (clientes atingidos diretamente), nos termos dos arts. 1º, inciso II, e 21 da Lei nº 7.347/85, combinado com os arts. 81, incisos I, II e III da Lei nº 8.078/90.

Portanto, rejeito a preliminar.

h) Legitimidade ativa (sob os três enfoques suscitados):

Inicialmente saliento que o CDC é aplicável às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), sendo que a relação de consumo é mantida com todos seus clientes, nos exatos termos dos arts. 2º e 3º do CDC, carecendo de procedência os argumentos expostos pelo requerido nesse mister.

Suscitou o réu a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público, pois entende que a presente ação não demonstra lesão a interesses individuais homogêneos.

A questão já restou analisada no item anterior. Todavia, saliento que o legislador brasileiro estabeleceu a possibilidade de utilização da ação civil pública para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Inteligência dos arts. 1º, inciso II e 21, ambos da Lei 7.347/85, combinado com o art. 81 do CDC. O Ministério Público é parte legítima para o ajuizamento de ação em defesa dos direitos do consumidor violados pela ré.

Possibilidade de defesa coletiva de interesses e direitos individuais homogêneos do consumidor, desimportando que sejam disponíveis (art. 81, parágrafo único, III, do CDC).

Evidente que a pretensão inicial tem por escopo a proteção de direitos e interesses individuais homogêneos (class action brasileira), conceituada pelo art. 81, § único, inciso III, do CDC como AÇÃO COLETIVA. Já o art. 82, inciso I, do mesmo diploma legal, confere legitimidade ao Ministério Público propor demandas coletivas.

Consequentemente, no momento da propositura da demanda que tenha por objetivo a proteção de direitos individuais homogêneo, revestindo-se o interesse em caráter público e coletivo pelo número de consumidores lesados, a pretensão é COLETIVA DE CONSUMO, pois ligadas por fato originário comum (pagamento de tarifa abusiva). Somente para fins de cumprimento da sentença (execução), caso procedente a ação, os interesses e direitos dos consumidores serão examinados individualmente.

Portanto, evidenciada está a legitimidade ativa do Ministério Público de promover demandas coletivas para proteger interesses e direitos individuais coletivos, rejeitando a preliminar suscitada.

DO MÉRITO

Primeiramente, imprescindível que se afirme a possibilidade de aplicação das normas que regulam o sistema de proteção ao consumidor eis que – ainda com algumas vozes em contrário – vê-se plenamente caracterizado o conceito de consumidor e fornecedor nos exatos termos da Lei 8078/90, em especial em seus artigos 2o e art. 3o, parágrafo único, que, explicitamente, refere-se as operações de concessão de crédito e financiamento, como produto comercializável (e diga-se rentável) e posto à disposição de toda população que utilizam tais serviços como destinatário final (finalização na circulação do produto ou serviço/quebra da cadeia produtiva).1

Inaceitável então qualquer divergência quanto a aplicação de todo o sistema consumerista à relação jurídica posta em causa e estruturada em normas que prevêem proteção especial ao consumidor, baseado amplamente nos Princípios da Repressão Eficiente aos Abusos, da Boa-fé Objetiva e da Vulnerabilidade (art. 4o, inciso I, da Lei 8078/90).2

Tudo deve ser vislumbrado e objetivado a partir do conceito de vulnerabilidade e de hipossuficiência do consumidor – no seu tratamento processual – buscando a efetivação das normas no contexto social de que derivam as relações de consumo.

Sendo assim, com relação à cobrança de tarifa pela liquidação antecipada do débito, tenho por indispensável o reconhecimento de sua abusividade, que não deriva unicamente de uma norma específica ou simplesmente de preceito fundamental constitucional, mas de todos os princípios aplicáveis ao sistema de proteção aos vulneráveis da relação de consumo.

O sistema consumerista não pode concordar com a negociação privada, com cláusulas eivadas de nulidades absolutas. Pelo que faz crer o Código de Defesa do Consumidor-CDC, de característica publicista, não se convalidam as nulidades, eis que há o Princípio da Indeclinabilidade e Inafastabilidade da jurisdição (art. 5o, inciso XXXV, da CF/88). Além de que, provado o prejuízo, tratando-se de relações do consumo (art. 51, inciso I, do CDC), possível a revisão da cobrança indevida da tarifa pela quitação antecipada exigida do consumidor, ainda que concluída a relação jurídica, através de composição extrajudicial ou ainda a ser concluída pelos eventuais e futuros clientes.

Sendo que nas práticas comerciais e nos contratos, deve haver a harmonia das relações de consumo, que também é um princípio básico, onde deve ser sempre buscado o Equilíbrio Contratual e os Fins Sociais dos Contratos, como bem demonstram as disposições do art. 39, incisos, V, X e art. 51, incisos IV, XXIII, XV e parágrafo 1º, incisos I, II e III, todos do CDC.

Resta evidenciado nos presentes autos que a Resolução nº 3.401/20063 do Banco Central do Brasil-BACEN, atendendo determinação do Conselho Monetário Nacional-CMN, que permite a cobrança de “tarifa de quitação antecipada” está em flagrante conflito com os arts. 4º, incisos I e II; 39, inciso V; 51, inciso IV, § 1º, incisos I, II e III; e 52, § 2º, todos do CDC.

Quando da expedição da referida Resolução pelo BACEN, permitindo a cobrança de uma tarifa absurdamente abusiva o Governo Federal não reconheceu a vulnerabilidade4 do consumidor e nem o protegeu efetivamente por iniciativa direta, excluindo-se deliberadamente do mercado de consumo.

É lógico e natural que o consumidor tenha direito à redução proporcional de juros e demais acréscimos na hipótese de liquidação antecipada de seus débitos, como determina o § 2º do art. 52 do CDC, e não a cobrança de um “encargo extra”, denominado de tarifa. Aliás, quando da contratação, o consumidor já pagou tarifas e taxas para operacionalização dos créditos, sendo abusiva nova tarifação quando do pagamento antecipado.

Interessente é que no Brasil o bom cliente é penalizado com uma tarifa inapropriada e abusiva, quando na verdade deveria ser prestigiado com descontos e vantagens nos serviços e produtos. O consumidor paga para entrar (pedido de crédito) e paga (tarifado) também para sair, mesmo estando em dia com suas obrigações e desejar liquidá-las antecipadamente.

Tanto era abusiva que o próprio BACEN, atendendo nova diretriz expedida pelo Conselho Monetário Nacional-CMN, tratou de vedar a cobrança da tarifa decorrente de liquidação antecipada pelas instituições financeiras, editando a Resolução nº 3.516/2007, cujo art. 5º revoga expressamente a Resolução nº 3.401/2006.

Os argumentos da requerida, ao justificar a cobrança de tal tarifa abusiva, não merecem guarida. Analisando os termos da Resolução nº 3.401/2006, que NÃO É LEI, mas mera norma administrativa, verifico que a cobrança além de ilegal é totalmente indevida.

Assim está redigida a referida Resolução, relativamente aos temas debatidos nos presentes autos, in verbis:

“RESOLUÇÃO nº 3.401/2006:

Art. 1º As instituições financeiras e as sociedades de arrendamento mercantil devem garantir a quitação antecipada de contratos de operações de crédito e de arrendamento mercantil, mediante o recebimento de recursos transferidos por outra instituição da espécie.

§ 1º As condições da nova operação devem ser negociadas entre a instituição que efetivará a transferência referida no caput e o mutuário da operação original.

§ 2º Os custos relacionados à transferência de recursos para a quitação da operação não podem ser repassados pela instituição ao mutuário.

§ 3º O Banco Central do Brasil divulgará os procedimentos necessários à transferência referida no caput.

Art. 2º O valor máximo, em reais, da tarifa eventualmente cobrada em decorrência de liquidação antecipada de contratos de concessão de crédito ou de arrendamento mercantil deve ser estabelecido no ato da contratação da operação, bem como constar de cláusula contratual específica, juntamente com as demais informações necessárias e suficientes para possibilitar o cálculo do valor a ser cobrado ao longo do prazo de amortização contratual.

Parágrafo único. O valor da tarifa de que trata este artigo deve guardar relação direta e linear com o prazo de amortização remanescente e com a parcela não amortizada do principal, no caso de liquidação antecipada total, ou com o prazo de amortização remanescente e com o montante liquidado antecipadamente, no caso de liquidação antecipada parcial, em ambos os casos apurados na data em que ocorrer a liquidação antecipada.” (grifei)

Em primeiro lugar, resta evidenciado que a quitação antecipada gera procedimentos administrativos, decorrentes da transferência de recursos de outras instituições interligadas.

Poderia o BACEN e o Conselho Monetário Nacional tentar explicar que se tratam de operações estanques, aquela prevista pelo art. 1º e a tarifa prevista pelo art. 2º, especialmente porque o § 2º do art. 1º, que veda expressamente o repasse dos custos ao consumidor, está em flagrante conflito com art. 2º.

Evidente que interpreto de forma diversa. A transferência de recursos, que gera gastos administrativos, não pode ser repassado ao cliente que pretende liquidar sua dívida antecipadamente.

Além disso, o art. 2º fala em “tarifa eventualmente cobrada”, ou seja, não se trata de uma norma obrigatória a ser observada pelas instituições financeiras ou pelas sociedades de arrendamento mercantil, mas facultativa. Porém, como sempre ocorre, uma simples norma de caráter meramente administrativa e facultativa, se transforma numa norma de caráter constitucional e obrigatória pela instituição que cultiva na sua essência a vocação para cobrar (e repassar) ao consumidor eventuais custos de operacionalização.

Outra situação interessante é que a Resolução nº 3.516/2006, mera norma administrativa, que revoga expressamente a Resolução nº 3.401/2006 (art. 5º), estabelece no seu art. 1º que “fica vedada às instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada nos contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil financeiro, firmados a partir da data da entrada em vigor desta resolução com pessoas físicas e com microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006”.

Duas conclusões são extraídas: 1º) a vedação na cobrança da tarifa pela liquidação antecipada é aplicada para os contratos futuros; 2º) tal vedação somente beneficia as pessoas físicas e parte das jurídicas (microempresas e empresas de pequeno porte).

Portanto, embora a requerida tenha suscitado em preliminar a perda de objeto da demanda em razão da edição da Resolução nº 3.516/2006, verifico que na verdade a proibição na cobrança da tarifa pela liquidação antecipada de débitos somente é válida para contratos futuros. Em outras palavras, pode a instituição financeira cobrar a tarifa daqueles contratos firmados anteriormente a data da nova resolução.

Também é proibida a cobrança da tarifa nas contratações futuras com microempresas e empresas de pequeno porte, ou seja, em qualquer situação (contratos pretéritos e futuros), a tarifa pode ser cobrada das empresas de médio e grande porte.

Como já referido, a cobrança da tarifa na liquidação antecipada é prática comercial abusiva, seja para contratos pretéritos ou futuros, seja para pessoa física ou jurídica (micro, pequeno, médio ou grande empresário), sem qualquer distinção ou exceção.

No magistério de Antônio Herman Benjamin, “prática abusiva (lato sensu) é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. São – do dizer irretocável de Gabriel A. Stiglitz – 'condições irregulares de negociação nas relações de consumo' , condições estas que ferem os alicerces da ordem jurídica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela ótica da ordem pública e dos bons costumes.” 5

Segundo Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes, na magnífica obra “Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor”, “práticas abusivas, para nós, são condutas, comissivas ou omissivas, praticadas por fornecedores, nas quais estes abusam de seu direito, violam os direitos dos consumidores ou infringem de alguma forma a lei” 6

Nos comentários sobre o contrato de adesão, quando o consumidor se depara com aquela cláusula previamente inserida e não discutida com o fornecedor, como a de nº 8 prevista na Cédula de Crédito Bancária de Empréstimo Pessoal, elaborada pela requerida (fls. 29/32), os doutrinadores lesionam que, “trata-se de um contrato cujo conteúdo foi total ou parcialmente estabelecido de modo arbitrário e geral anteriormente ao período contratual. Caracteriza-se pela ausência de negociação individual prévia em vista do acordo de vontades. Apresenta-se na maioria das vezes, sob a forma das condições gerais ou individuais estabelecidas unilateralmente por uma das partes. Também pode consistir em contratos-padrão estabelecidos em grupos”.7

Resta suficientemente evidenciado nos autos que a cláusula inserida em contratos firmados pela requerida com seus clientes, estabelecendo a cobrança de tarifa pela liquidação antecipada é abusiva. Segundo Nelson Nery Júnior, cláusula abusiva é “aquela que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca da relação contratual, que, no caso de nossa análise, é o consumidor, aliás, por expressa definição do art. 4º, nº I, do CDC. A existência de cláusula abusiva no contrato de consumo torna inválida a relação contratual pela quebra do equilíbrio entre as partes, pois normalmente se verifica nos contratos de adesão, nos quais o estipulante se outorga todas as vantagens em detrimento do aderente, de quem são retiradas as vantagens e a quem são carreados todos os ônus derivados do contrato.” 8

Portanto, como já referido, a cláusula que permite a cobrança de “tarifa de quitação antecipada” é abusiva, porque está em flagrante conflito com os arts. 4º, incisos I e II; 39, inciso V; 51, inciso IV, § 1º, incisos I, II e III; e 52, § 2º, todos do CDC, impondo-se o julgamento de procedência integral da presente demanda coletiva de consumo.

DIANTE DO EXPOSTO, julgo PROCEDENTE a presente ação coletiva de consumo proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO RGS, contra BANCO ITAÚ S/A, para:

a) DECLARAR a nulidade de cláusulas inseridas pelo requerido em contratos que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento, que preveja a incidência de tarifa, a cargo do consumidor, em virtude da liquidação antecipada, total ou parcial, do saldo devedor;

b) CONDENAR o requerido na OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER consistente em abster-se de inserir cláusulas em contratos que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento, que prevejam a incidência de tarifa, a cargo do consumidor, em virtude da liquidação antecipada, total ou parcial do saldo devedor;

c) CONDENAR o requerido na OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER consistente em abster-se de cobrar tarifa, a cargo do consumidor, em virtude da liquidação antecipada, total ou parcial, do saldo devedor em contratos que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento;

d) CONDENAR o requerido genericamente a restituir em dobro as importâncias cobradas de consumidores a título de “tarifa de quitação antecipada”, acrescidas de perdas e danos, correção monetária pelo IGPM e juros legais, tudo a ser apurado em liquidação de sentença e executado pelas vítimas e sucessores, tudo com base nos arts. 42, § único, 95 e 97 e seguintes do CDC;

e) CONDENAR a requerida à obrigação de indenizar, da forma mais ampla e completa, os danos materiais e morais causados aos consumidores individualmente considerados, conforme determina o art. 6o, inciso VI e art. 95, ambos do CDC;

f) CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização para ressarcir os danos difusamente considerados, cujo valor será apurado em liquidação de sentença e recolhido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, a que alude o art. 13 da Lei 7.347/85 e regulamentado pelo Decreto Estadual nº 38.864/98;

g) CONDENAR a requerida na obrigação de publicar, às suas custas, no prazo de 15 dias, em dois jornais de grande circulação deste Estado (Zero Hora e Correio do Povo), em quatro dias intercalados, sem exclusão do domingo, em tamanho de 20 cm x 20 cm, em uma das dez primeiras páginas de ambos os jornais, comunicado com a parte dispositiva de eventual sentença condenatória, sendo introduzida pela seguinte afirmação: “Acolhendo pedido veiculado em ação coletiva de consumo ajuizada pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, o Juízo da 15ª Vara Cível – 2º Juizado condenou o réu BANCO ITAÚ S/A, nos seguintes termos : [ ...] Todos aqueles que tiverem sido lesados pela conduta da demanda poderão comprovar seu dano e obter, a partir desta decisão, o ressarcimento individual”;

h) CONDENAR ao pagamento de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pelo descumprimento de quaisquer dos itens “b”, “c”, “d”, “e” e “f” e no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), o descumprimento do item “g”, corrigidas pelo IGPM, revertendo eventual numerário recolhido ao Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, de acordo com o art. 13 da Lei nº 7.347/85;

i) TORNAR DEFINITIVA a tutela antecipada deferida nos presentes autos.

j) CONDENAR a requerida ao pagamento das custas (art. 21, § único, do CPC). Sem honorários (art. 87 do CDC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Porto Alegre, 08 de abril de 2009.

GIOVANNI CONTI,

Juiz de Direito.

1 Súmula 297 do STJ : “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

2 Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor;”

3 Revogada pela Resolução nº 3.516/2007.

4 “É um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto. Vulnerabilidade é, então, “o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação. O princípio da vulnerabilidade decorre diretamente do princípio da igualdade, com vistas ao estabelecimento de liberdade, considerado, na forma já comentada no item específico sobre este último princípio, que somente pode ser reconhecido igual alguém que não está subjugado por outrem.” (PAULO VALÉRIO DAL PAI MORAES. Código de Defesa do Consumidor – o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 96 e 97)

5 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 7ª Edição, Editora Forense Universitária, p. 319.

6 Livro na 5ª Edição. Editora Livraria do Advogado, 2009, p. 159.

7 Idem, p.163.

8 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 7ª Edição, Editora Forense Universitária, p. 501.

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do RS
Autor: Maria Helena Gozzer Benajmin
Revisão e edição: Adriana Arend

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