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Sebastião Botto de Barros Tojal e Luis Eduardo Patrone Regules
   
     
 


24/03/2009

Sebastião Botto de Barros Tojal e Luis Eduardo Patrone Regules
O relógio de praga e o mercado brasileiro de autopeças

Localizado no centro histórico de Praga, capital da República Checa, o Orloj é um dos pontos turísticos mais populares do país. Misto de relógio, calendário astronômico e escultura gótica, a máquina impressiona não só pela complexidade, mas pelo mito que a circunda. Diz-se que, para que não fosse feita cópia alguma dela, o mestre relojoeiro que a concebeu foi cegado. Assim, até hoje, não há, no mundo, máquina similar. O caso demonstra algo que é por todos conhecido: a exclusividade e a inventividade têm, sempre, um preço. Como se vê, casos extremos exigem sacrifícios de valores extremos. No século XIII, quando o Orloj foi concebido, sacrificar tudo, até a vida, em proveito da originalidade, era plausível. Hoje, é inaceitável.

Atualmente, o sacrifício relacionado a uma invenção é, muitas vezes, identificado com o investimento empregado, não só para sua concepção, mas também para seu registro. Por isso, o inventor tem a garantia de exploração privilegiada de sua invenção por um período pré-determinado. O invento passado gera recompensas futuras, o que vem a estimular, cada vez mais, a capacidade inventiva dos homens.

No Brasil, a Lei n° 9.279, de 14 de maio de 1996 assegura, ao titular de patentes, o direito de impedir que terceiros usem, produzam, importem ou coloquem à venda o produto, objeto de registro. No entanto, não fica claro a extensão ou limite dessa garantia, nem tampouco o que baliza a existência das que permanecem. Esses limites são dados por outras instâncias normativas, especialmente pela Constituição e pela Lei de Defesa da Concorrência.

O direito assegurado ao proprietário de patentes é limitado. A afirmação é tão trivial quanto conhecida: não há direitos absolutos. Pode-se dizer que o próprio conteúdo do direito é um limite à sua extensão, o que significa que qualquer direito tem amplitude circunscrita a seu conteúdo definido, ou seja, à realidade em que incide. É por isso que aquilo que não se identifique com o conceito de invenção não está protegido pela Lei de Patentes. Há, no entanto, outros limites. Se um direito entra em conflito com outro, haverá uma limitação recíproca, e externa, dos direitos em embate e aqui conseguimos entrar numa discussão muito interessante.

Os direitos autorais são, seguramente, um campo fértil para a aplicação de limites de racionalização. Nesse tema, o caso do conflito de montadoras e empresas de autopeças é paradigmático. Nele, é possível observar um efetivo conflito de direitos ocasionando sua limitação recíproca. Diversas montadoras de automóveis vêm adotando medidas judiciais contra empresas que fabricam peças de reposição para veículos. Alegam que o desenho das peças lhe pertencem e invocam a tutela dessas prerrogativas patentárias.

Exigem, por meio de iniciativas próprias, até mesmo a busca e apreensão dos produtos. Enquanto isso, empresas de autopeças se defendem argumentando que o mercado de reposição no país é tão antigo quanto o mercado de automóveis e, portanto, o consentimento dessa patente criaria um oligopólio para dominar o mercado relevante, extraindo ganhos expressivos.

Na verdade, o que ocorre é que as montadoras de veículos pretendem conferir ao direito autoral uma extensão muito maior do que a que, razoavelmente, se lhes pode reservar. Afinal, se tudo o que compõe um veículo é protegido por patente, nem mesmo a tapeçaria ou componentes simples do automóvel poderiam ser produzidos ou comercializados por empresas que não as montadoras ou sem o consentimento destas.

Há, no entanto, uma forma de compatibilizar os interesses, no caso, contrapostos. Basta considerar que o produto fim da atividade das montadoras é o automóvel. Sendo assim, a patente detida pelas montadoras limitaria a proteção deste produto, o automóvel. Por isso, se o desenho de um automóvel foi concebido por uma montadora é de todo adequado que esse seu produto tenha o desenho protegido pelo direito patentário. O mesmo não se aplica às peças que compõem esse veículo. Consenti-lo inviabiliza a atividade de uma infinidade de empresas honestas e de tradição.

Neste contexto, cumpre observar que admitir o direito absolutista das montadoras sobre o desenho de cada uma das peças dos automóveis produzidas implicaria em eliminar do mercado todas as empresas que, há anos, vêm fazendo frente ao poder econômico dessas gigantes do setor automobilístico, sempre tão privilegiadas pelas políticas industriais brasileiras e que, atualmente, encontram na Lei de Defesa da Concorrência um óbice aos abusos no exercício de seus pretensos direitos. Uma vez eliminada a concorrência, as grandes montadoras poderão manter cativos os consumidores de seus veículos que, tendo se vinculado a um modelo e marca, ficarão, por toda vida útil do automóvel, compelidos a adquirir peças originais, cujos valores por óbvio refletirão o incrementado preço da marca e o suposto valor de uma patente.

Vê-se que o mestre relojoeiro checo do século XIII pode renascer na pele das empresas brasileiras de autopeças do século XXI. Mais uma vez, há quem pretenda tolher a capacidade de produção em nome do interesse de poucos, agora fazendo do direito um instrumento para “cegar” as empresas de autopeças, inviabilizando sua atuação competidora e equilíbrio das forças desse mercado. Oxalá o desenvolvimento e a razão impeçam que, desta vez, a pretensa proteção de inventos sustentem valores fundamentais.

 

* Sebastião Botto de Barros Tojal e Luis Eduardo Patrone Regules são, respectivamente, sócio-fundador e sócio do Escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano & Renault Advogados Associados e advogados da ANFAPE  Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças.

Fonte: ACCESSO
Autor: Sebastião Botto de Barros Tojal e Luis Eduardo Patrone Regules
Revisão e edição: Emily Canto Nunes

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