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Nada funciona direito no maior aeroporto do Brasil. Quem embarca ou desembarca em Guarulhos, em São Paulo, enfrenta filas, atrasos e cancelamentos de voos.

É assim que o País vai recepcionar o mundo na Copa e na Olimpíada?
 
Para o período de alta temporada, a noite da quarta-feira 26 parecia tranquila, no Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro, em Guarulhos (SP). 
 
Mas não para o consultor especializado em internet e ex-missionário de paz da Organização das Nações Unidas Paulino Michelazzo, que se dirigia a Lima, no Peru, onde faria uma palestra. 
 
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Depois de passar pelo check-in e despachar sua bagagem, Michelazzo descobriu que seu voo, previsto para as 20h25,  sairia apenas às 2h da madrugada. Ele preferiu pedir para ser realocado para a manhã seguinte. 
 
“Sabendo como estão as coisas, escolho sempre marcar voos com pelo menos um dia de antecedência, porque os atrasos são recorrentes”, disse Michelazzo. 
 
 
A situação ilustra o estado atual de coisas: longos atrasos e dores de cabeça para passageiros e funcionários do aeroporto popularmente chamado de Cumbica, nome do bairro onde está localizado em Guarulhos (SP).  
 
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Espera no check-in: pequenos problemas exacerbam deficiências estruturais, causando filas intermináveis nos saguões
 
Trata-se da principal porta de entrada e saída de voos internacionais do País, além de peça essencial do quebra-cabeça de preparação para receber a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos nos próximos anos.
 
 
Em Cumbica, pequenos problemas fazem parte do cotidiano, como sumiços de bagagens, poucas vagas no estacionamento e a falta de policiais federais para dar conta, nos horários de pico, das filas no controle de passaportes. 
 
Eles se somam a atrasos nas liberações para as aeronaves se dirigirem ao portão de embarque e quedas nos sistemas das companhias aéreas para criar um cenário de caos. 
 
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Voo adiado: o consultor Paulino Michelazzo adiou a sua viagem ao Peru para evitar espera de mais de cinco horas
 
Todos contribuem para a situação: a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), a Polícia Federal, as empresas aéreas e prestadoras de serviços – são 1,7 mil companhias que operam no local, com 28 mil empregados. 
 
“Há vezes em que estamos prontos para sair, com as liberações em ordem e todos os passageiros a bordo, mas falta o trator de reboque que tira o avião do portão de embarque, um serviço que é terceirizado pelas empresas aéreas”, afirma um comandante da Gol, com 30 anos de experiência e que decola do aeroporto desde a inauguração, em 1985. 
 
 
A situação não melhora no desembarque. O presidente da Global Franchise Net, Paulo Mauro, diz que por diversas vezes desembarcou em Cumbica e precisou esperar por mais de 1h30 pela liberação de  sua bagagem. 
 
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Atraso na pista: demoras nos portões de embarque acontecem até por falta de trator para o reboque de aviões
 
“As autoridades não atentam para o fato de que é um aeroporto internacional, em que as pessoas chegam cansadas de viagens longas”, diz o executivo. “Com a demora, já vi pessoas brigando para retirar a mala.” 
 
Ele, por exemplo, já levou a bagagem errada e só foi perceber o seu erro em casa. Na terça-feira 25, os passageiros que desembarcaram do voo da TAP vindo de Portugal se depararam com apenas dois agentes da Polícia Federal (PF) para atender a todos os viajantes com passaportes brasileiros. 
 
A PF informa que pretende ampliar em cerca de 50% os postos de atendimento à imigração nos próximos meses e que deslocou policiais de outras unidades para contornar os problemas gerados na  alta temporada, que  costumam exacerbar as deficiências crônicas do aeroporto, com cancelamentos e atrasos nos voos, filas intermináveis nos saguões e nos pontos de táxi. 
 
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Todo o caos atual, da chegada à saída de Cumbica, pode ser imputado ao descompasso entre o que o Brasil pretende ser e o que a sua infraestrutura aérea oferece. O maior aeroporto do quinto país mais populoso e da nona maior economia do mundo não está nem entre os 50 com maior tráfego de passageiros. 
 
Enquanto 21,7 milhões de viajantes circularam em Guarulhos, em 2009, o aeroporto de Nova York recebeu quatro vezes mais: 88,4 milhões. O problema, portanto, não é de excesso de passageiros, mas, sim, do fato de que os investimentos não acompanharam o aumento da demanda dos últimos anos, impulsionado pelo ganho de renda da classe C e da chegada de novas companhias aéreas, em especial as de menor custo. 
 
“Existe uma relação direta entre o aquecimento da economia e o crescimento da demanda por transporte aéreo”, diz o professor da Trevisan Escola de Negócios Alcides Leite. “O governo Lula errou em não colocar esse setor na lista de priori-dades.” Para ele, países como México, Chile e Colômbia conseguiram resolver os gargalos nos seus aeroportos. 
 
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A insuficiência de pessoal na área de alfândega, a falta de equipamentos e o número reduzido de vagas são questões que podem ser tratadas no dia a dia. 
 
Contudo, são parte e não a causa do caos. “O aeroporto tem problemas estruturais graves que derivam do abandono de seu plano diretor, criado na década de 1980”, afirma o brigadeiro Allemander Pereira Filho, consultor do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) e ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil. 
 
Para o brigadeiro, o governo também foi incapaz de elaborar um plano estratégico adaptado à evolução da demanda do setor. A Infraero, no momento, está atuando na construção de três Módulos Operacionais Provisórios, batizados jocosamente de “puxadinhos”. 
O problema é que o primeiro deles, com capacidade para três milhões de passageiros ao ano, só fica pronto em dezembro deste ano. “Quando começar a funcionar, já estará defasado”, diz o brigadeiro. Procurada pela DINHEIRO, a Infraero não se pronunciou.
 
Mesmo que um terceiro terminal seja construído, o aumento do espaço de embarque traria mais passageiros, mais voos e, consequentemente, mais problemas.  Cumbica,  em tupi-guarani, significa "nuvem baixa". Para as mais de 150 mil pessoas que lá transitam diariamente o nome tem outro sentido: é o próprio inferno.

Autor: Carlos Eduardo Valim e Rosenildo Gomes Ferreira
Fonte: ISTOÉ Dinheiro

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