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Opinião de Rute Carolina Fernandes, sócia do escritório Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados

A vida e a morte são temas que acendem as mais acirradas discussões no campo religioso, ético e filosófico. Para o direito, a morte gera diversas consequências jurídicas, pois importa na cessação da personalidade civil. Embora a cultura brasileira seja extremamente alicerçada à religião, cada vez mais tem-se refletido sobre a finitude da vida e a busca pelo respeito à autonomia da vontade e à dignidade da pessoa humana.

Nesse viés, tem ganhado força a discussão sobre a ortotanásia, que é a recusa de pacientes terminais a se submeterem a tratamentos que não trarão o resultado esperado: a cura. Isso porque os novos recursos médicos e tecnológicos permitem a adoção de tratamentos e medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, fenômeno conhecido por distanásia ou obstinação terapêutica (L’archementthérapeutique), sem apresentar eficácia.

Contudo, quando há a opção do doente pela ortotanásia, são inevitáveis os conflitos de ordem ética por parte dos médicos e morais por parte dos familiares envolvidos que, não poucas vezes, divergem entre si para fazer valer – ou não – a vontade do paciente. Diante da existência de lacuna na legislação brasileira sobre o assunto, a alternativa encontrada pelos pacientes que rejeitam sua submissão a tratamento comprovadamente ineficazes, é a busca por amparo pelo Poder Judiciário.

Os Tribunais pátrios, por sua vez, têm se posicionado no sentido de preservar a vontade do paciente, analisando o conflito entre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana e, por meio da ponderação, têm permitido a prática da ortotanásia, entendendo pela “vida com dignidade” ou uma “razoável qualidade”.

O Conselho Federal de Medicina, por meio das Resoluções 1.805/2006 e 1.995/2012 admite a prática da ortotanásia, sendo lícito ao médico limitar ou suspender procedimentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

Indo ao encontro das normativas do Conselho Federal de Medicina, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 149/2018, que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade sobre tratamentos de saúde. A justificativa para o Projeto de Lei é o reconhecimento à autonomia dos pacientes, especialmente daqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade e sem condições de expressar sua própria vontade. O Testamento Vital, como é conhecido, também servirá para afastar qualquer divergência de opinião por parte de alguns familiares sobre o desejo do declarante em relação ao término de sua vida.

Se aprovado o Projeto, o Brasil trilhará o mesmo caminho de outros países, como Estados Unidos, Suíça, Holanda e Espanha, que já possuem previsão legal para a realização da ortotanásia. No documento, formalizado por meio de escritura pública, deverá constar a intenção do declarante quanto a receber ou não determinados cuidados médicos em situação futura, na hipótese de se deparar com doença grave e incurável e que não puder, em função de sua condição de saúde, expressar autonomamente a sua vontade.

Ao declarante é facultado, ainda, indicar uma pessoa de sua confiança para que tome as decisões sobre os cuidados à sua saúde, quando não puder fazer diretamente. O documento deverá ser anexado ao prontuário do paciente, podendo ser revogado a qualquer momento, ainda que de forma verbal, diretamente ao médico.

O Testamento Vital, portanto, é um instrumento que assegura a autonomia do doente, assim como, sob a ótica médica, serve para resguardar o profissional que entende por não mais prolongar a vida de um paciente incurável que já havia expressado sua vontade.


Autor: A autora
Fonte: Pumaira Coronel

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