O médico toxicologista da Faculdade de Medicina da USP Anthony Wong afirma que a inalação do gás butano, presente nos isqueiros, provoca a falta de oxigênio no organismo. Ele utiliza uma explicação simples: onde entra o gás butano não entra o oxigênio.
- O butano não é considerado um entorpecente, uma droga. Não produz sensações de prazer momentâneo. O que os usuários do gás chamam de 'barato' é a falta de oxigênio. Por isso a inalação pode provocar asfixia, causando convulsões e morte. Com a inalação, a glote (garganta) fecha e não entra ar nos pulmões. A vítima fica agitada por conta da falta de oxigênio no cérebro - explica.
O médico da USP afirma que as pessoas que passam a inalar o gás do isqueiro podem desenvolver uma dependência psicológica, mas não uma dependência física.
- Não provoca uma dependência física, mas a pessoa pode se viciar no contexto, psicologicamente - afirma, acrescentando que não adianta proibir a venda do produto, pois não há como proibir ninguém de cometer suicídio.
A inalação do gás de isqueiro e de cozinha como droga "para dar barato" é amplamente divulgada entre jovens no site de relacionamento Orkut. Basta uma pesquisa para encontrar comunidades com nomes como "Eu baforo gás de isqueiro", "Eu cheiro gás de cozinha" e "Isqueiro sem gás, menino triste". Há, inclusive, instruções dadas a curiosos sobre como consumir o gás.
De acordo com a Polícia Civil, a simples divulgação na internet não pode ser considerada crime, já que a substância tóxica não é proibida e pode ser encontrada em qualquer lugar.
O delegado Rubens Barazal, do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) da Polícia Civil, diz que não há crime na divulgação do consumo do gás de isqueiro na internet.
- Não existe uma apologia ao crime. O gás é distribuído livremente. Essas pessoas estariam fazendo apologia se essa substância fosse considerada uma droga. Mas é só um gás tóxico - disse o delegado.
Na comunidade do Orkut chamada "Eu baforo gás de isqueiro", os 36 integrantes relatam a inalação do gás no tópico "As melhores brisas". Um deles conta que se lembra de que queimou o próprio nariz quando estava intoxicado. Outro diz que caiu no chão, bateu a cabeça e babou.
De forma irônica, a comunidade está registrada na categoria Esportes e Lazer, e tem 36 integrantes - a maioria tem até 24 anos e se identifica por apelidos. A página também conta com um tópico batizado de "AAAA Eu amo gás", cheio de recados para os outros membros e visitantes. Outra comunidade do Orkut, chamada "Eu cheiro gás de cozinha", com 17 integrantes, exibe a explicação de que a página foi criada "para aqueles que estão sempre viajando, sempre cheirando gás de cozinha".
O popular gás de buzina, muito vendido no Carnaval, e o hélio também são inalados por jovens como droga alternativa aos entorpecentes.
A jornalista Anita Ribeiro Motta, de 25 anos, morreu no ano passado após ter supostamente utilizado gás de buzina na noite de 19 de fevereiro do ano passado, uma segunda-feira de Carnaval, em Serra Negra, a 150 quilômetros da capital.
De acordo com informações da Polícia Civil da cidade, primos da vítima, que foram testemunhas do caso, afirmaram ter visto Anita pegar o tubo com gás de buzina, retirar a corneta que serve para a saída do som, ingerir o gás e cair no chão logo em seguida. A mulher chegou a ser socorrida para o hospital da cidade, mas já teria chegado morta ao local.