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Fabiana Svenson Petito Ribeiro – advogada
   
     
 


16/09/2009

Fabiana Svenson Petito Ribeiro – advogada
Direito à vida acima de qualquer coletividade

Na Constituição Federal do Brasil, a saúde da população está estabelecida como dever do estado, conforme artigo 196, assim transcrito: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Baseando-se neste dispositivo, juntamente com o artigo 5º, que consagra que o direito à vida é fundamental, e o artigo 6º, que estabelece que a saúde é um direito social, houve o ingresso de diversas ações que visavam o fornecimento gratuito pelo Estado de medicamentos aos cidadãos que não tivessem condições de suportar sua aquisição sem prejudicar a manutenção de sua família.

Utilizando-se desta argumentação, muitos cidadãos conseguiram judicialmente a manutenção de sua vida, com o fornecimento gratuito de medicamentos pelo Estado. Várias decisões em primeira instância deferiram este pedido, frisando o direito à saúde garantido pela Constituição Federal e reforçando que o fornecimento gratuito de medicamentos inclusive está previsto pela Lei 8080/90 e ainda no artigo 6º. Fundamentaram-se, também na lei complementar estadual de São Paulo 791/1965, no seu artigo 17, IX que atribui ao SUS a obrigação de distribuir medicamentos e torná-los acessíveis à população.

Nos casos analisados, o entendimento do Ministério Público, através de pareceres emitidos nestes casos, em nenhum momento nega a obrigatoriedade do Estado no que se refere ao fornecimento de medicamentos para a manutenção da vida daqueles que necessitam. Alega, porém, que somente poderiam ser objetos do pedido medicamentos já existentes na rede pública. Ocorre que recentemente houve um novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), através de uma decisão da ministra Ellen Gracie, que ressaltou o risco de, em benefício de alguns, o deferimento do pedido de fornecimento de medicamentos nestes casos lesar toda a ordem e economia pública, ao determinar por via judicial o fornecimento de medicamentos de alto valor não constantes da lista do SUS a determinadas pessoas. Ao interpretar o artigo 196 da Constituição Federal, ressalta que este “refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe o acesso universal e igualitário, e não em situações individualizadas.”

Com isto, muitas decisões em primeira estância estão sendo submetidas à reapreciação pelos tribunais, alegando o Estado que a saúde deverá ser vista como um bem geral e não como uma questão individualizada. E, ainda que a ordem econômica seria prejudicada em função de somente uma pessoa, o que não beneficiaria a coletividade. Além disso, fundamentam seu inconformismo alegando que a saúde pública é um bem geral e a todos os cidadãos, não somente a um indivíduo, portanto, não pode ser tratado de forma individualizada. Alegam também que os valores dos medicamentos são muito altos, o que impossibilitaria o cumprimento da decisão judicial sem prejuízos da coletividade.

Este entendimento não poderá ser consolidado. Analisando o caso, verificamos que somente em situações extremas há o ingresso de ações deste tipo. Normalmente, o indivíduo que possui condições financeiras arca com as despesas de seus medicamentos, o que, aliás, é o comum. Ocorre que, fequentemente, nestas ações o indivíduo realmente não tem condições de arcar com as despesas para aquisição do medicamento. É importante salientar também que nestes casos não existe o pedido de medicamentos para mera regularização de sua saúde e, sim, da própria manutenção da vida de forma digna. O indeferimento do pedido é negar ao solicitante não uma saúde perfeita ou próxima da perfeição, mas a sua própria vida de forma decente.

Quem consegue judicialmente o fornecimento de medicamentos passa por etapas administrativas bem onerosas para efetivo cumprimento da ordem judicial. Na cidade de Campinas (SP), por exemplo, há agendamento da data e horário em meio período do dia para a retirada. Este método não demonstra nenhuma eficácia. Como é feito para o atendimento de diversas pessoas com problemas de saúde variados, acontece muitas vezes a espera exaustiva para a entrega dos medicamentos, além de ser o local totalmente inadequado. A retirada é feita no andar superior do prédio, não existe elevador para atendimento a cadeirantes ou qualquer outro que tenha dificuldade de locomoção. Não é por opção que a pessoa passa por este inconveniente e, sim, necessidade. Também é importante analisar que o pedido feito por determinado medicamento não é estabelecido pelo solicitante. Este é solicitado pelo médico que analisou todo o histórico e exames do paciente. Inclusive porque, se este pudesse, não escolheria nem ter esta doença e nem precisar de determinado medicamento.

A alegação de que o dinheiro público somente deverá ser empregado quando atingir a coletividade é totalmente impraticável. Isto porque se entende que o Estado somente agiria quando houvesse uma epidemia ou um problema realmente já enraizado na população, que atingisse uma porcentagem significativa dela. Nestes casos o caos já estaria instalado. Ora, se realmente o legislador visasse atingir uma significativa parcela da coletividade para, então, agir, recentes episódios ocorridos não teriam qualquer explicação ou fundamentação. É o caso do resgate aos destroços do vôo 447 da Air France, bem como corpos desta tragédia aérea ocorrida há pouco tempo. A verdadeira operação de guerra que gravitou em torno deste episódio não seria possível, uma vez que dos 216 passageiros e 12 tripulantes nem eram todos brasileiros e, mesmo que fossem, não atingiriam uma porcentagem significativa da população, inclusive se considerássemos amigos e parentes também afetados. Nem mesmo o dinheiro já declaradamente gasto pelo governo brasileiro para resgate do brasileiro Gabriel Buchmann, perdido no monte africano Mulanje, no Malauí, seria possível pelo mesmo fundamento. Vê-se, inclusive que nestes casos acima descritos havia a grande probabilidade de serem encontrados somente os corpos já sem vida.

Portanto, qualquer atitude do judiciário em desobrigar o Estado a fornecer o medicamento necessário à vida do cidadão é totalmente contrária, quer a valores consolidados na nossa população, quer pelo seu ordenamento jurídico, estando em sua Lei Maior a garantia deste direito do indivíduo. Cabe ainda frisar que a importância é tamanha do legislador em resguardar a vida dos indivíduos que na Parte Especial do Código Penal, o primeiro bem protegido é justamente a vida, quando em seu artigo 121 assim tipifica o homicídio. O STF deveria ser o primeiro a se pronunciar favorável ao fornecimento destes medicamentos que visa à manutenção da vida, pois aqui estamos discutindo o direito principal do indivíduo, sendo os outros decorrentes deste, pois sem ele, nenhum outro existe.

Fonte: Floter e Schauff Assessoria de Comunicação
Autor: Fabiana Svenson Petito Ribeiro
Revisão e edição: Jaqueline Crestani

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