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Fonte: IBGE / Banco Central
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Nunca foi tão fácil conseguir crédito. Às vésperas do Natal, o mercado pouco exige do pagador. A compra é parcelada a perder de vista, sem entrada. O financiamento, pré-aprovado, é quase ilimitado. Para quem sabe gerir dinheiro, isso significa boas oportunidades. Para quem gasta sem pensar e adquire o que não precisa, pode ser a perdição total. Neste grupo, os mais vulneráveis são os compradores compulsivos, parte significativa dos 22% dos brasileiros que possuem dívidas impagáveis e de 85% das famílias que têm despesas superiores ao rendimento, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Neste caso, o consumismo desenfreado é uma doença.
Um dos sinais de desequilíbrio é o alto grau de irritação diante da impossibilidade de comprar e a impulsividade do ato. "São pessoas que compram sozinhas, optam por objetos repetidos, sem utilidade, e escondem as aquisições dos familiares", afirma Tatiana Filomensky, coordenadora do grupo de atendimento dos compradores compulsivos no Hospital das Clínicas de São Paulo. "Eles saem para comprar um terno e voltam com uma televisão." Seis anos atrás, apenas três pacientes estavam em tratamento. Neste ano, são 24 e há 50 nomes em lista de espera.
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A aquisição de produtos idênticos ou inúteis e o medo de encarar os débitos são características do consumista patológico. É o que ocorre com a administradora M.S., 40 anos, que coleciona bijuterias, sapatos, bolsas e calças do mesmo modelo e da mesma cor. Há quatro anos, quando sua dívida chegou a R$ 25 mil, ela decidiu frequentar os Devedores Anônimos (DA), em São Paulo. "O guardaroupa estava cheio e nada me interessava", diz a administradora, que ganhava R$ 5 mil e gastava R$ 500 em cada ida ao shopping. Ela lamenta não ter construído um patrimônio nem priorizado a família. "Comprava tudo para mim e nada para o meu filho. Hoje me culpo por isso", diz.
Diante da vergonha do endividamento crônico, é comum que os compulsivos escondam a fatura bancária dos familiares. "Eu não queria admitir a dívida e escondia as compras da minha esposa", afirma o físico C.A., 61 anos. Uma de suas manias é preencher o freezer até o limite com os mesmos alimentos, das mesmas marcas, mesmo ciente de que não serão consumidos no prazo de validade. "Se o freezer não estiver lotado, tenho a sensação de escassez", explica o físico, que há um ano entrou para o DA. Para quitar parte de suas dívidas, certa vez conseguiu um empréstimo de R$ 9 mil - e gastou o valor em três dias. "Nem lembro o que comprei." A necessidade de manusear valores o levava diariamente ao caixa eletrônico. "O barulho da maquininha liberando o dinheiro me fazia bem", diz o físico, que fazia saques duas vezes por dia. "Me sentia mal em aniversários e casamentos porque tudo era de graça. Corria das festas para lojas para comprar." O resultado: três cartões de crédito estourados, eletrôcheque especial no limite e uma dívida de R$ 22 mil.
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NO VERMELHO Davi (à dir.) deve R$ 40 mil e recebe R$ 800. À esq., alguns compulsivos buscam ajuda em grupo anônimo |
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A compulsão por compras costuma vir acompanhada de outros vícios, segundo pesquisa da Universidade da Carolina do Norte (EUA). "Há um parentesco entre as diversas formas de manifestação", diz o psiquiatra Miguel Roberto Jorge, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Por exemplo: um jovem que compra de forma impulsiva pode migrar para o alcoolismo ou vício em jogos na terceira idade.
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REPETIÇÃO
M.S. gasta R$ 500 no shopping para comprar produtos idênticos
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Grande parte dos endividados crônicos sofre de consumo compulsivo, mas há os que entram neste rol por incapacidade de gerir seu negócio ou sua conta bancária. O empresário W.P., 50 anos, deve 15 vezes seu patrimônio. O rombo financeiro comprometeu a renda de toda a família e surpreendeu a esposa e os filhos, que desconheciam a situação. A dívida destruiu um casamento de 25 anos e levou os familiares a cogitar a interdição judicial. "Fui expulso de casa", conta. O caos foi o resultado de empréstimos e créditos com sete instituições financeiras. Ele foi parar no hospital quando a sua dívida aumentou 85% com a bola de neve dos juros. "Me afundei. Recorri a agiotas e sofri ameaças." Apesar de não dispor mais de bens pessoais para se desfazer, o empresário acredita que ainda pode quitar a dívida. Enquanto isso, se esforça para pagar a fatura mínima do cartão de crédito. O advogado José Serpa Júnior, especialista em direito do consumidor, alerta que o pagamento mínimo é uma das armadilhas que dão falso conforto ao endividado. "Em um ano o débito triplica", explica. Entre as recomendações do tratamento médico para compulsivos está não pagar a conta do cartão. "É uma forma de o paciente ter o nome sujo e não poder obter o crédito", afirma Tatiana Filomensky.
O poder das instituições financeiras diante dos superendividados tem sido questionado pela Justiça. Em duas sentenças inéditas, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou obanco Itaú por fornecer crédito consignado acima das possibilidades dos endividados crônicos. "Não se trata de fazer apologia à figura do mau pagador ou de instituir o calote público, mas de analisar a responsabilidade financeira pela má concessão de crédito em valor muito superior à capacidade de endividamento do cliente", afirma o relator, o desembargador Marcos Torres. Segundo especialistas, os idosos são as maiores vítimas nesses casos. "Eles são um filão pelo crédito descontado na folha", afirma o advogado José Serpa Júnior.
É o caso do ex-auxiliar judiciário É o caso do ex-auxiliar judiciário Davi Prado Bortolato, 66 anos, que se aposentou com R$ 4.650, mas só recebe R$ 800 líquidos. Viciado em em préstimos, não resiste a um dinheiro fácil. "Abria a conta em um banco para cobrir o outro. No final, estava enrolado com seis financeiras", diz Davi, que alega ter sido seduzido pela promessa do crédito sem juros para a terceira idade. O descontrole financeiro se tornou uma dívida de R$ 40 mil. "A raiz do endividamento está na distorção do que é essencial, necessário e supérfluo e nas reais condições de pagamento", afirma Ari Ferreira de Abreu, especialista em contabilidade e finanças familiar. "O fútil é importante, traz felicidade", diz o professor. "Desde que não comprometa o que é essencial."
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Teste produzido por Hermano Tavares e Tatiana Filomensky - Ambulatório AMITI, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas de SP
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