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Decisão beneficia 4372 consumidores do RS
   
     
 


01/04/2009

Decisão beneficia 4372 consumidores do RS
Sky é condenada a indenizar clientes que não tiveram acesso a jogos pelo pay-per-view

Os 4.372 clientes da Sky que adquiriram o pacote do Campeonato Brasileiro de Futebol do ano de 2005 – “Brasileirão 2005” – no Rio Grande do Sul têm direito a receber a indenização pelos danos materiais e morais causados pela impossibilidade de assistir alguns jogos, embora a publicidade de empresa anunciasse que daria acesso a “todos os lances” e a “tudo o que acontece nos gramados”.

A sentença é da lavra do Juiz de Direito Giovanni Conti, do 2º Juizado da 15ª Vara Cível de Porto Alegre e foi disponibilizada nesta segunda-feira, 31/3. A decisão atende a quase totalidade dos pedidos articulados pelo Ministério Público em ação coletiva movida contra a empresa. A ação teve como base o inquérito civil instaurado a partir de reclamação de  Alair Luiz Gassen que alegou não terem sido transmitidos três jogos do Grêmio.

Durante a fase de cumprimento da sentença, cada consumidor lesado poderá requerer o pagamento proporcionalmente ao que não pode assistir pelo pay-per-view e conforme o pacote que assinava com a Sky. O Ministério Público solicitou ao Juízo que fosse a empresa condenada a indenizar cada cliente o valor de R$ 94,32 , mas o magistrado considerou injusta a medida “pois poderia beneficiar indevidamente alguns contratantes e prejudicar tantos outros”.   Cabe recurso da decisão ao Tribunal de Justiça.

Controvérsia

Destacou o julgador, juiz Conti, na sentença que a única controvérsia contida na Ação é: “o pacote pay-per-view abrangeria todos os jogos das séries A e B, ou apenas alguns previamente escolhidos e disponibilizados aos assinantes”.

O magistrado lembrou a frase veiculada no folder distribuído pela empresa: “Na SKY, você acompanha tudo o que acontece nos gramados do país. A bola vai rolar de norte a sul e você vê todos os lances na sua TV”.

“Não há dúvidas de que, sob a ótica do Ministério Público e desse julgador, as expressões ´você acompanha tudo´ e ´você vê todos os lances´, significam que todos os jogos das séries A e B do Campeonato Brasileiro de Futebol seriam exibidas”, afirmou.

E concluiu: “Se não são todos os jogos transmitidos, como afirmado pela requerida, obviamente o consumidor NÃO ACOMPANHA TUDO e também NÃO VÊ TODOS OS LANCES”.

A empresa alegou em sua defesa que as afirmações não eram suficientemente precisas para concluir o direito do consumidor a todos os jogos. No entanto, o julgador concluiu de forma diversa: “Exatamente esse o erro da requerida: a afirmação NÃO É SUFICIENTEMENTE PRECISA; portanto, é reconhecido o direito do consumidor fazer a interpretação que melhor lhe beneficia, no caso que todos os jogos seriam transmitidos (arts. 47 e 48 do CDC)”.

Os dispositivos citados do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.978/90 - afirmam que: Art. 47: As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.  E o Art. 48: As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos.

Condenação

A empresa foi condenada, resumidamente, ao seguinte: a) transmitir em todos seus pacotes pay-per-view exatamente os produtos anunciados previamente; b) abster-se de utilizar publicidade enganosa; c) a fornecer cópia do contrato sob forma impressa ou por meio eletrônico de todos os produtos e serviços que comercialize; d) a indenizar, da forma mais ampla e completa, os danos materiais e morais causados aos consumidores individualmente considerados; e) a pagar indenização para ressarcir os danos difusamente considerados a ser recolhida ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor; f) a publicar às suas custas, em 15 dias após transitada em julgada a decisão, anúncios de 20cm x 20cm na Zero Hora e no Correio do Povo com a parte dispositiva da sentença;  e g) ao pagamento de multa diária, no valor de R$ 10 mil pelo descumprimento de quaisquer dos itens “a”, “b”, “c”, e “e”, e no valor de R$ 200 mil, o descumprimento do item “f”, corrigidas pelo IGPM, revertendo eventual numerário recolhido ao Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, de acordo com o art. 13 da Lei º 7.347/85.

Abaixo a íntegra da decisão:

Comarca de Porto Alegre - 15ª Vara Cível - 2º JUIZADO

Processo nº  001/1.06.0121309-6

Natureza:       Ação Coletiva

Autor:  Ministério Público do RGS

Ré:     SKY Brasil Serviços Ltda.

Juiz Prolator:  Giovanni Conti

Data:   31/03/2009

Vistos os autos.

I - MINISTÉRIO PÚBLICO promoveu a presente Ação Coletiva contra SKY BRASIL SERVIÇOS LTDA., alegando em síntese que a empresa requerida ofertou, mediante publicidade impressa, na internet e na mídia televisiva, Pacotes do Campeonato Brasileiro de Futebol do ano de 2005 (“Brasileirão 2005”), cujo objeto era a transmissão de todos os jogos pelo sistema “pay-per-view”. Referiu que a partir da reclamação de Alair Luiz Gassen, noticiando a abusividade da propaganda enganosa, foi instaurado inquérito civil. Alegou que três jogos do Grêmio não foram transmitidos, divergindo do acordo firmado. Sustentou que este fato atingiu a massa dos apreciadores de futebol em todo o Estado do Rio Grande do Sul. Salientou que 4.372 pacotes foram vendidos apenas no Estado a fim de demonstrar a extensão do prejuízo.

Postulou: a condenação da demandada à transmitir em todos os seus pacotes “pay-per-view” exatamente os produtos que tiver anunciado previamente, destacando os que não serão apresentados; a abstenção de ofertar produtos com publicidade enganosa; o fornecimento de cópia do contrato firmado com os consumidores; a condenação ao pagamento de indenização e devolução do valor gasto e a indenização pelos danos difusamente considerados, a serem apurados em liquidação de sentença; a condenação da ré à publicar na mídia, para que os consumidores tomem ciência da sentença e a multa para o caso de descumprimento.

Citada, a requerida contestou o feito arguindo, preliminarmente, a carência de ação. No mérito, alegou que todos os termos do contrato “pay-per-view” do Brasileirão de 2005 foram informados aos consumidores que aderiram a ele. Salientou que é fornecido “Guia do Assinante” com todos os programas disponíveis no pacote. Argumentou que os documentos acostados pelo autor não demonstram a ocorrência de propaganda enganosa. Alegou que a propaganda que afirmou que o pacote iria cobrir “tudo o que acontece nos gramados” ou “todos os lances”, não significando dizer todos os jogos, mas também, programas com cobertura dos jogos e etc. Sustentou que nunca ofereceu a transmissão de todos os jogos. Salientou que os anúncios deixavam bem claro que a oferta de transmissão de jogos limitava-se ao mínimo de 50 jogos da Série “B” pelo sistema PPV.

Réplica (fls. 262/281).

Intimadas as partes acerca das provas que pretendem produzir (fl. 282), foi designada audiência (fl. 297). Foram ouvidas testemunhas (fls.333/337, 369/370, 389/391 e 419/420).

Encerrada a instrução e determinada a intimação das partes para apresentarem suas razões finais (fl. 427). Memoriais pela parte ré e autora, respectivamente às fls. 433/442 e 444/455.

É o relatório.

Decido.

II - O presente feito percorreu todos os trâmites legais, estando presentes os pressupostos e as condições da ação, inexistindo nulidades a serem sanadas.

a) Da preliminar:

Suscitou a ré a preliminar de carência de ação, pois entende que a presente ação não demonstra lesão a interesses difusos ou coletivos.

O legislador brasileiro estabeleceu a possibilidade de utilização da ação civil pública para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Inteligência dos arts. 1º, inciso II e 21, ambos da Lei 7.347/85, combinado com o art. 81 do CDC. O Ministério Público é parte legítima para o ajuizamento de ação em defesa dos direitos do consumidor violados pela ré.

Possibilidade de defesa coletiva de interesses e direitos individuais homogêneos do consumidor, desimportando que sejam disponíveis (art. 81, parágrafo único, III, do CDC).

Evidente que a pretensão inicial tem por escopo a proteção de direitos e interesses individuais homogêneos (class action brasileira), conceituada pelo art. 81, § único, inciso III, do CDC como AÇÃO COLETIVA. Já o art. 82, inciso I, do mesmo diploma legal, confere legitimidade ao Ministério Público propor demandas coletivas.

Consequentemente, no momento da propositura da demanda que tenha por objetivo a proteção de direitos individuais homogêneo, revestindo-se o interesse em caráter público e coletivo pelo número de consumidores lesados, a pretensão é COLETIVA DE CONSUMO, pois ligadas por fato originário comum (adesão ao contrato de serviços de televisão por assinatura). Somente para fins de execução, caso procedente a ação, os interesses e direitos dos consumidores serão examinados individualmente.

Portanto, evidenciada está a legitimidade ativa do Ministério Público de promover demandas coletivas para proteger interesses e direitos individuais coletivos, rejeitando a preliminar suscitada.

b) Do mérito:

Cumpre salientar, inicialmente, que o ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85) e subsidiariamente dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais, aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida para análise.

Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor, nos exatos termos dos arts. 2º e 3º da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratadas.

A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor, considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu art. 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de toda a relação de consumo.

Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirmar que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional, para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do consumidor, devendo ser concretizados através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.

Ora, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. Não se trata de afastar este Princípio somente com a alegação de que a demandante não é consumidor considerado em sua feição individual. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo, como elemento básico e não se confunde com a Hipossuficiência (outra questão jurídica).

Cumpre, então, destacar e enfocar Princípio da Vulnerabilidade1, nesse sentido, “é um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto. Vulnerabilidade é, então, “o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação. O princípio da vulnerabilidade decorre diretamente do princípio da igualdade, com vistas ao estabelecimento de liberdade, considerado, na forma já comentada no item específico sobre este último princípio, que somente pode ser reconhecido igual alguém que não está subjugado por outrem.”2

O consumidor considerado em sua forma individual ou metaindividual (direitos individuais homogêneos, coletivo strito sensu e difusos) são os vulneráveis desta relação jurídica, a parte mais fraca e que, na maioria das vezes sobre reflexos lesivos no desenvolvimento das atividades mais comuns da vida e diria indispensáveis da moderna sociedade de consumo.

Ressalte-se, em tempo, que a Lei 8078/90 é de interesse público e social, sendo as SUAS DISPOSIÇÕES FUNDAMENTAIS para o crescimento não só da economia, mas que haja o devido respeito ao consumidor. Por isso, a política das relações de consumo deve ter como norte as determinações do art. 4º, incisos I, II, VI, VII, VIII, que tratam exatamente da vulnerabilidade, da ação governamental de proteção ao consumidor, do Princípio da Repressão Eficiente aos Abusos, racionalização e melhoria dos serviços públicos e estudo constante das modificações de mercado. Mais que isso, devem ser respeitados os direitos básicos do consumidor, contidos no art. 6º, com especial atenção aos incisos V, VII, VIII, X.

Sendo que nas práticas comerciais e nos contratos, deve haver a harmonia das relações de consumo, que também é um princípio básico, onde deve ser sempre buscado o Equilíbrio Contratual e os Fins Sociais dos Contratos, como bem demonstram as disposições do art. 39, incisos, V, X e art. 51, incisos IV, XXIII, XV e parágrafo 1º, incisos I, II e III.

Segundo se depreende da exordial, a requerida teria veiculado propaganda (impressa, via internet e mídia televisiva), pacotes do campeonato brasileiro de futebol de 2005 (séries A e B), cujo objeto era transmissão de jogos pelos sistema pay-per-view, fatos, aliás, incontroversos nos autos.

A controvérsia é única: o pacote pay-per-view abrangeria todos os jogos das séries A e B, ou apenas alguns previamente escolhidos e disponibilizados aos assinantes.

Para tanto, faz-se mister a análise e interpretação – sob a ótica do consumidor – da seguinte frase veiculada no folder juntado à fl. 41 dos autos, in verbis:

Na SKY, você acompanha tudo o que acontece nos gramados do país. A bola vai rolar de norte a sul e você vê todos os lances na sua TV.”

Não há dúvidas de que, sob a ótica do Ministério Público e desse julgador, as expressões “você acompanha tudo” e “você vê todos os lances”, significam que todos os jogos das séries A e B do Campeonato Brasileiro de Futebol seriam exibidas pela requerida.

Se não são todos os jogos transmitidos, como afirmado pela requerida, obviamente o consumidor NÃO ACOMPANHA TUDO e também NÃO VÊ TODOS OS LANCES.

A própria requerida reconhece, indiretamente é lógico, que errou na divulgação da publicidade dos produtos que colocou à disposição dos consumidores, quando ao afirmar na contestação (fl. 192) que “inexiste no impresso publicitário em questão qualquer afirmação suficientemente precisa no sentido de que todos os jogos no torneio seriam transmitidos, de modo que não há como se pretender vincular a SKY àquilo que não ofereceu”.

Exatamente esse o erro da requerida: a afirmação NÃO É SUFICIENTEMENTE PRECISA; portanto, é reconhecido o direito do consumidor fazer a interpretação que melhor lhe beneficia, no caso que todos os jogos seriam transmitidos (arts. 47 e 48 do CDC).

Em razão dessa propaganda enganosa, vários consumidores se sentiram lesados, pois não tiveram acesso a todas as partidas do Campeonato Brasileiro, especialmente da série B, cujas participações dos clubes gaúchos Grêmio e Caxias estavam previstas. Portanto, também sob a ótica de muitos consumidores, os termos você acompanha tudo” e “você vê todos os lances”, significam que todos os jogos das séries A e B do Campeonato Brasileiro de Futebol seriam exibidas pelo sistema pay-per-view pela requerida.

A testemunha HILTOR PAULO MOMBACH (fls. 333/335), afirma que na qualidade de jornalista e colunista do Jornal Correio do Povo recebeu várias reclamações por e-mail de seus leitores. Segundo o respeitável jornalista “eles reclamavam que haviam comprado o pacote e, no princípio, tal pacote oferecia uma coisa e, depois, o prometido não foi cumprido. E o que foi prometido em um primeiro momento foi retirado do ar depois pela SKY”. E segue a testemunha afirmando que “todas as reclamatórias eram no sentido de que compraram o pacote e esse não estava sendo cumprido. Não apenas em um jogo, mas em outros jogos, eles acabaram descobrindo, já que no interior não tem TV a cabo em alguns lugares, que os jogos passaram por TV aberta, no caso, a TVCOM, mas não passaram pelo pacote que compraram”.

A testemunha LEOMAR BARTZ (fls. 335/337), afirma que não se lembra se lhe foi prometida a exibição de todos os jogos do campeonato brasileiro, séries A e B, mas esclarece que “o normal é, quando todo pacote é vendido, por exemplo, eu ainda continuo assinando, é que todos os jogos passem”.

A testemunha HILTON VARGAS DE OLIVEIRA (fls. 390/391), também afirmou que a requerida fazia propaganda de que todos os jogos do campeonato brasileiro de 2005 seriam transmitidos. O magistrado que inquiriu a testemunha perguntou: “A propaganda da empresa era em que sentido? O senhor compra acreditando que vai ver todos os jogos? Resposta da testemunha: “Que vou ver todos os jogos”. O magistrado insiste: Mas é isso que a empresa propagandeia? E a testemunha confirma: “Sim. Exatamente.”

Somente a testemunha JOÃO ALBERTO TOGNI (fl. 370), confirma que teve informações precisas pelo telefone sobre as características do produto, embora tivesse afirmado no final de suas declarações que “na época, tem quase certeza de que não havia transmissão dos jogos da série B pela TV aberta, somente pelo canal pago “ (grifei).

A requerida também confirma, conforme já referido, que veiculou propaganda enganosa ao afirmar que no impresso publicitário não há informação “suficientemente precisa” do produto.

A publicidade enganosa é amplamente vedada pela Lei 8078/90, sendo um dos direitos difusos por excelência que pode levar a uma eventual caracterização de identificação dos direitos individualmente lesados (individuais homogêneos).

Ora, os artigos 36, 37 e 38 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor são explícitos ao vedar qualquer forma de vulneração dos Princípios ali esculpidos, principalmente através da publicidade. Tanto isso é verdadeiro que sem seu artigo 37, parágrafo 1º, conceitua a publicidade enganosa como sendo, in verbis:

... qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, quantidade, qualidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”

Sendo assim, é nítido nos autos da Ação Coletiva de Consumo ou Ação Civil Pública (eis que a diferença entre ambas é unicamente semântica), que houve ampla irregularidade na divulgação do evento, que é essencialmente falso, ou seja, não condiz com a realidade e força o investimento de diversos consumidores na aquisição de um “produto”, ou seja, pacote do campeonato brasileiro, séries A e B, pelo sistema pay-per-view, em terminante confronto não apenas com as disposições da Lei 8078/90, mas em ataque a todo o sistema de Princípios que estruturam o sistema publicista, protetivo do consumidor, em especial os da Vulnerabilidade, da Harmonia das Relações de Consumo, neste sentido pode-se destacar:

Fica demonstrado, igualmente, que a Lei Consumerista é, acima de tudo, uma lei de ordem pública e de interesse social (art. 1º, do CDC), profundamente baseada na Constituição de 1988, não podendo ser considerada um diploma legal tendencioso, conforme alguns mal-informados tentam fazer crer, mas, sim, uma Consolidação de Princípios, de regras e de valores da mais alta relevância, que certamente lançará o Brasil para posição dos países de “primeiro mundo” no terceiro milênio que se avizinha.”3

Ainda levando em consideração a processualização do princípio da vulnerabilidade, tenho por dizer que, no processo é que se materializa o equilíbrio da relação, pois:

Por isso a definição de hipossuficiência é ope juris, cabendo ao Magistrado a definição no caso concreto (topicamente), tendo em vista a sua experiência como julgador, mas principalmente como pessoa que está integrada na sociedade, observando todas as realidades que em geral circundam uma demanda judicial, bem como com vistas à implementação concreta das funções sociais do direito. A atenção do julgador, portanto, precisa também estar voltada para o pólo passivo da relação processual, a fim de que, igualmente, não cause um prejuízo indevido a fornecedor que eventualmente configure uma insuficiência de condições econômicas em relação ao processado, situação de difícil ocorrência, mas possível. Também é a hipossuficiência um critério que necessita ser aferido levando em consideração os sujeitos da relação processual entre si, a fim de que se possa ser feita uma hierarquização valorativa voltada para a posição individual (socioeconômica) de ambos, o que resultará na distribuição mais justa dos ônus da prova (GRIFEI).”4

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor não pode aceitar a publicidade ilimitada, ofensiva e defeituosa como forma de beneficiar alguns poucos que através de artifícios venham a prejudicar toda coletividade. Utilizando, ainda, do renome de terceiros para obter ganhos fáceis e lucros terminantemente infundados.

Por fim, além das razões aqui expostas, cumpre afirmar que somado aos elementos trazidos através dos documentos juntados aos presentes autos, em especial Atas de Audiência realizadas, como por exemplo nas fls. 333/337, 369/370, 389/391 e 419/420; reafirmam não apenas a existência da publicidade enganosa, mas também a abusiva conduta da demanda que lesou diversos consumidores.

Cabe aqui a máxima de que as relações jurídicas não podem mais concordam com a utilização da boa-fé alheia com o nítido propósito de obtenção de lucros fáceis, violando o mais amplo dever do indivíduo com a coletividade que, face a “impessoalidade” das relações comerciais ou particulares, ainda tolera o arbítrio e a afronta aos direitos e princípios básicos que estruturam toda e qualquer relação jurídica.

Portanto, procedem os pedidos formulados na exordial pelo Ministério Público, inclusive a publicação da sentença em jornais de grande circulação, objetivando a recomposição do dano moral coletivo (art. 6º, inciso VI, do CDC) e conhecimento do seu resultado para interessados e consumidores efetivamente lesados, auxiliando na informação sobre a habilitação quando do cumprimento da sentença.

Apenas em relação ao valor da condenação genérica estabelecida em R$ 94,32, não merece acolhimento. Como são diversas as situações e peculiaridades de cada pacote contratado pelos consumidores, injusta a fixação genérica de um valor, pois poderia beneficiar indevidamente alguns contratantes e prejudicar tantos outros. Entendo que caberá em sede de cumprimento de sentença a verificação específica de cada consumidor lesado.

III - DIANTE DO EXPOSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação coletiva de consumo proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO RGS, contra SKY BRASIL SERVIÇOS LTDA., para:

a) CONDENAR a requerida para que transmita em todos seus pacotes pay-per-view, exatamente os produtos que tiver anunciado previamente e da forma anunciada, inclusive informando, de forma clara e destacada em todas as suas formas de publicidade, se serão ou não transmitidos todos os jogos dos times envolvidos nos campeonatos respectivos;

b) CONDENAR a requerida para que se abstenha de ofertar aos consumidores quaisquer produtos ou serviços utilizando-se da publicidade enganosa, ou qualquer outras assemelhadas, que não contenham informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, preço, etc;

c) CONDENAR a requerida a fornecer cópia do contrato, sob a forma impressa ou por meio eletrônico (página da internet ou e-mail), de todos os produtos e serviços que comercialize, previamente ao ato da efetiva contratação;

d) CONDENAR a requerida à obrigação de indenizar, da forma mais ampla e completa, os danos materiais e morais causados aos consumidores individualmente considerados, conforme determina o art. 6o, inciso VI e art. 95, ambos do CDC;

e) CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização para ressarcir os danos difusamente considerados, cujo valor será apurado em liquidação de sentença e recolhido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, a que alude o art. 13 da Lei 7.347/85 e regulamentado pelo Decreto Estadual nº 38.864/98;

f) CONDENAR a requerida na obrigação de publicar, às suas custas, no prazo de 15 dias, em dois jornais de grande circulação deste Estado (Zero Hora e Correio do Povo), em quatro dias intercalados, sem exclusão do domingo, em tamanho de 20 cm x 20 cm, em uma das dez primeiras páginas de ambos os jornais, comunicado com a parte dispositiva de eventual sentença condenatória, sendo introduzida pela seguinte afirmação: “Acolhendo pedido veiculado em ação coletiva de consumo ajuizada pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, o Juízo da 15ª Vara Cível – 2º Juizado condenou a ré SKY BRASIL SERVIÇOS LTDA, nos seguintes termos : [ ...] Todos aqueles que tiverem sido lesados pela conduta da demanda poderão comprovar seu dano e obter, a partir desta decisão, o ressarcimento individual”;

g) CONDENAR ao pagamento de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pelo descumprimento de quaisquer dos itens “a,” “b”, “c”, “d” e “e”, e no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), o descumprimento do item “f”, corrigidas pelo IGPM, revertendo eventual numerário recolhido ao Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, de acordo com o art. 13 da Lei nº 7.347/85;

h) CONDENAR a requerida ao pagamento integral das custas (art. 21, § único, do CPC). Sem honorários (art. 87 do CDC).

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 31 de março de 2009.

GIOVANNI CONTI,
Juiz de Direito.

Notas

1 “Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor;”

2 PAULO VALÉRIO DAL PAI MORAES. Código de Defesa do Consumidor – o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 96 e 97.

3CLÁUDIO BONATTO e PAULO VALÉRIO DAL PAI MORAES. Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 58.

4 Ibidem, p. 103.

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do RS
Autor: João Batista Santafé Aguiar
Revisão e edição: Assessora-Coordenadora de Imprensa Adriana Arend

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